Futebol de Campanha

Eu estava lá no Laranjal sem nada pra fazer e apareceu o Toco dizendo que ia ter uma costelada em Dom Pedrito, na estância de um primo dele. Juntamos a turma, lotamos a Rural Willis do Joca e pegamos estrada.
Já na chegada, nos olharam meio atravessado. É claro, se tu chegas sozinho num churrasco sem ser convidado, tudo bem, sempre sobra um naco de carne. Mas levar mais oito amigos é um exagero. Além disso, no Interior ninguém gosta quando vem gente de fora, porque as gurias ficam ouriçadas. 


Pra quebrar o clima pesado, Toco sugeriu pro primo que se organizasse um jogo de futebol. Os de casa contra os forasteiros, no caso, nós. Futebol de campanha é um jogo pra macho. Só quem já viu pra entender. Não tem muita regra. Com camisa pra lá, sem camisa pra cá e do pescoço pra baixo, é canela.
Pra quem não é gaúcho, eu preciso explicar que campanha é aquela região do Rio Grande, onde o trabalho duro e cotidiano com a agropecuária vai tornando os homens um pouco mais embrutecidos. Resumindo, é terra de grosso.
O campinho ao lado da estância era todo esburacado e cheio de bosta de vaca. Ficava numa várzea que tinha sido plantação de arroz e depois virou um clube que, além do "estádio", tinha cancha de bocha e um bolicho pra vender cachaça.
Jogaram uma moeda pra cima e começou o entrevero. 


Na falta de uma estrutura de equipe e alguma tática de jogo, combinei com os companheiros que eu seria o ponto de referência. Era só jogar a bola pra mim, que o resto eu resolvia. 


Corri pro meio da área adversária e fiquei na banheira, esperando um lançamento. Não sei como, de repente a bola sobrou. Matei a redonda no peito e o zagueiro se veio na minha direção. Era um alemão de dois metros de altura, com cara de quem tomou chá de losna sem açúcar. Uma jamanta. O índio jogava de bota, bombacha e espora chilena. E eu ali, de pé descalço. Tentei reclamar com o juiz, mas Sua Excelência estava totalmente borracho, com um apito numa mão e uma garrafa de canha na outra. Já estava naquele ponto em que dava um gole no apito e assoprava o gargalo da garrafa. 


Pois bem, matei a bola no peito e o animal se veio. Dei um toquinho de calcanhar e o balão de couro descreveu uma circunferência no ar, por cima daquele caminhão de carne com osso e espora chilena. Quando o taura tentou frear, escorregou no barro, levantou as patas em direção ao céu, deu um duplo twist carpado invertido e caiu de bunda no lamaçal. 


A torcida veio abaixo, às gargalhadas. Desloquei o goleiro com uma firula e joguei a bola no fundo das redes. Ato contínuo, corri pra galera e dediquei aquela obra-prima pra uma loira assanhada que estava sentada na primeira fila da arquibancada. 


Nesse meio tempo o alemão já havia se levantado e veio bufando pra cima de mim. O tempo fechou. O pau comeu. O que era pra ser um jogo de futebol virou espetáculo de luta livre. Com camisa versus sem camisa.
Nunca mais pude voltar a Dom Pedrito. Juro que não foi deboche. Como é que eu ia saber que a loira era noiva do zagueiro?

2 comentários:

  1. Sou carioca, Não conheço O Rio Grande, e quando li o conto, guardada as devidas e geladas proporções, me lembrou uma pelada que fui jogar no presídio, , calma eu não era detendo, fui convidado a participar de um time, e lá chegando, alguns companheiros de time, queriam sair de ré para o técnico achar que eles estavam chegando, o nosso goleiro, muito bom por sinal, mas não era um ser cuja a coragem tenha feito moradia, nem de aluguel, começou a tremer as pernas, que a galera que assistia à partida, pensou que ela estava fazendo algum tipo de aquecimento,,,,
    Eu mesmo sem ser esperto, procurava esboçar um falso sorriso e de chutar algumas bolas em direção, mas sem muita vontade, no gol do goleio deles... No segundo tempo, perdíamos de 11 x 0, o goleiro não conseguiu volitar para o segundo tempo,,, já tinha trocado os dois cações em tempo Recorde..
    No vestiário, o nosso cabeça de área, achava-se o doutor em oratória... Relatou que antes de começar o segundo tempo iria falar umas palavras para assistência, desancou umas falas, contra o preconceito e etc (cerca de 500 detentos). E assim foi feito.... Começou ele...” amigos e amigas... (Caramba! Um silêncio crepuscular, como amigas,,, o presídio era só de homem) estamos aqui.. para mostrar que vocês podem e blá-blá blá-bla,, ( e para finalizar mandou essa: ) Espero do fundo do coração quando voltarmos ano que vem, vocês ainda estejam aqui, e se não tiverem espero ver vocês de novo aqui, daqui há dois anos..
    O nosso técnico que quando ficava nervoso tornava-se um gago contumaz, e danava a piscar os olhos freneticamente,... Tentou consertar, mas era tarde.. O estrago estava feito.... o segundo tempo começou e... Eles fizeram 03 gols contras, o goleiro deles “frangou” pelo menos uns 08..... Ganhamos o jogo, cumprimentamos todos os atletas do adversário, o jogo de camisa inteiro foi jogado para a torcida.....
    Fomos participar de um churrasco, diga-se de passagem, bastante concorrido, achamos estranho tanta amabilidade e excesso de erro do time deles durante o segundo tempo, qual foi a minha surpresa quando o centro avante deles, um “cabra ”de 04 metros de fundura, por 03 de espessura e 03 de comprimento, que tinha um apelido singelo de “Zé Pequeno”, balançando as mãos (manoplas) e fala com o nosso responsável pela “tournée cívico social”; o Sr Joaquim Tamandaré:” Doutor o negocio é o seguinte gostaria de agradecer a presença e pedir que o meu processo seja julgado rapidinho, (entregou o papel, e pontuou) esses são os “artigo”, obrigado doutor... (eu achei que havia algo de podre no reino, em seguida todos os atletas do adversário faziam fila para conversar com o” Douto” Joaquim..)
    Na saída, já dentro do ônibus, o seu “douto” Joaquim “suava em bicas”, com mais de “mil” papeizinhos nas mãos, mandou uns cinco ou seis palavrões antes de arrematar com um sotaque lusitano característico:
    “-” A se eu descubro o “##$$$$$$$” que falou para o time deles que o nosso time era formão por juízes da Vara de Execução Penal.”
    PS, o nosso meia de ligação, não falou nada a viajem toda...
    Um abraço
    Serginho
    (serpiflu@terra.com.br)

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  2. absolutamente sensacional!!!!! vc escreve bem demais!!! parabéns!!!

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