Em 1969, para desespero de meus pais, decidi ir ao Festival de Woodstock. De moto.
Sim, eu sei que é loucura. Um garoto menor de idade, sem carteira e sem dinheiro, viajar de moto até os Estados Unidos. Mas era o espírito da época, pra não dizer outra coisa.
Bem, consegui chegar até a Praia de Bombinhas, em Santa Catarina. Só não fui adiante porque furou o pneu da moto e me encantei pelos olhos de uma alemoa de Blumenau que estava acampada numa barraca... Enfim, fui atropelado pelos acontecimentos.
Woodstock eu vi depois, no cinema. O disco, escutei até furar. Eram 3 LPs. Decorei todas as letras e solos de guitarra. Cheguei a pensar em arrancar os dentes da frente, como fez Richie Havens pra poder cantar melhor, mas bateu um bom senso. Coisa rara naquele tempo.
Comprei um medalhão enorme com aquele símbolo de paz e amor, pendurei no pescoço e só tirava pra tomar banho. Aliás, um hábito que, na época, estava fora de moda.
Aprendi a mexer com couro e, além de um chapéu, fiz uma bolsa tiracolo, vermelha, com umas franjas e uma ferradura colada pra dar sorte.
Fora esses utensílios, meu guarda roupa incluía umas camisetas tingidas com desenhos psicodélicos, 2 túnicas indianas, uma calça boca-de-sino, um tamanco de madeira e um macacão de veludo que, segundo os comentários de minha tia, era capaz de andar sozinho.
Deixei a barba e os cabelos crescerem desordenadamente e acredito que aquela revolução, que se passava do lado de fora da cabeça, acabou vazando pra dentro e influenciou o processo de desenvolvimento do meu córtex cerebral. Algumas idéias desconectadas só começaram a fazer sentido recentemente.
Minha mãe dizia que o LSD e todas as outras drogas queimavam os neurônios e que nós seríamos uma geração de estúpidos. Eu hoje olho para o mundo e acho que ela estava com a razão. Em parte. Só não concordo que seja culpa do ácido lisérgico. Nem todos nós consumíamos drogas. E as piores estupidezes têm sido cometidas exatamente por aqueles que fumavam, mas não tragavam.
Talvez a teoria da minha mãe não tenha fundamento científico e esse atributo da estupidez seja na verdade um karma coletivo da nossa geração. Vai saber.
Ao mesmo tempo, não sei de onde os mais velhos tiravam essas informações sobre tóxicos. A droga mais pesada que minha mãe experimentou foi a pílula anticoncepcional. E mesmo assim, uma delas não funcionou. Deve ter vindo malhada.
Há pouco tempo, comprei o DVD do filme de Woodstock. Cheguei em casa, botei pra rodar e não consegui parar de assistir.
Quando me dei conta estava chorando. Não sei explicar direito. Foi uma mistura de sentimentos. Tudo o que poderia ter sido e que não foi... Não, não estou falando da alemoa de Santa Catarina. Tô falando desse mundo que a gente criou e está deixando de herança para os nossos filhos. Sem paz e amor.
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Pôxa!
ResponderExcluirEstou tenho tanta coisa para falar a esse respeito
da estupidez, dos sonhos, da adolescncia ou das adolescências
já que trabalho com projetos educacionais para ela.
Gostei de saber de tudo o que me disse e de tudo o que senti.
beijo
Magaly
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá, Kledir
ResponderExcluirÉ incrível que quando somos crianças e depois jovens, nós sonhamos com coisas que queremos ter e fazer, no seu caso, não deu para o senhor ir para Woodstock quando aconteceu esse festival, mas depois com a sua carreira de músico, o senhor pode ir para os Estados Unidos e outros países, graças a sua música e hoje o senhor pode ver o festival de Woodstock em dvd, quer dizer o senhor acabou realizando o seu sonho, embora não da maneira como pensou.
Um grande abraço!
Jorge Ernesto
Só faltou uma foto sua de 1969, ou dos anos 70 pra ilustrar o texto, seria ótimo! "Ilustre"!
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