Unhas

Eu fico impressionado com a capacidade que certos homens têm de entregar suas mãos aos cuidados de uma manicure. Alguns, quando vão ao cabeleireiro, aproveitam para cortar as unhas. Esse é o tipo de serviço que eu mesmo faço questão de fazer. Ninguém mexe nas minhas unhas.
Quando criança eu ia ao barbeiro, que era o profissional que fazia barba, cabelo e bigode - no meu caso, só cabelo. E barbearia era lugar de barbeiro, não de manicure. Não tinha essa história de cabeleireiro pra homem. Hoje em dia as coisas mudaram, o mundo está mais acelerado, ninguém tem tempo a perder, as mãos ficam ali paradas... aí o pessoal aproveita pra adiantar o serviço. E o salão aproveita pra fazer mais um dinheirinho.
Acontece que o critério para o corte das minhas unhas não é apenas estético, elas são minhas ferramentas de trabalho. Tem que ter um cuidado de precisão milimétrica, especialmente com as 4 da mão direita que tocam as cordas do violão. A do dedo mindinho esquece, não faz nada. Aliás, não sei pra que serve o dedo mindinho. Tá bom, tá bom, tem três atividades importantes: tocar piano, coçar o ouvido e tirar meleca do nariz.
Em Pelotas, existe um bar tradicional chamado A Gruta, lugar de encontro de uma fauna exótica, onde democraticamente convivem as mais variadas camadas sociais. Ali, em sua mesa reservada, meu pai gostava de tomar cerveja. Sozinho, quieto e lendo o jornal. A Gruta tinha um garçom folclórico, apelidado pela turma de Unha, por causa da unha do dedo mindinho que ele cultivava com cuidados especiais e mantinha estrategicamente maior do que as outras. Em cima do balcão do boteco, havia um vidro grande com ovos cozidos boiando numa água meio escura. Volta e meia alguém gritava: “salta um ovo!”. E o Unha prontamente enfiava o gancho natural do seu dedo mínimo naquela sopa imunda e o pedido era atendido. Inesquecível.
É preciso cuidar das unhas com carinho. Imagine se os dedos não tivessem unha. Olhe para a palma da sua mão. Os dedos por fora seriam assim como são por dentro. Dá pra coçar, tocar violão, tirar meleca? Não dá.
Da próxima vez que você for cortar as unhas, pense nisso e tenha uma atitude de reverência com essas pequenas jóias da natureza. Elas ainda vão lhe dar muito prazer na vida ou, quem sabe, até mesmo ajudar você a pegar um ovo cozido.

4 comentários:

  1. E eu tenho uma foto do senhor Kledir Ramil cuidando das ditas cujas: sozinho. Não dou nem vendo. Desculpa te flagrar desse jeito, mas quem mandou ser tão querido que as fotos sairam de momentos descontrolados.

    Cuida mesmo dessas unhas, delas saem sons apetitosos quando encontram as cordas do seu violão.

    Beijos!
    Aline Mariano

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  2. Bleargs!!
    Achava que era brincadeira!!

    :)

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  3. Kledir, seu talento, imaginação e criatividade o levam a escrever sobre assuntos e situações inimagináveis.

    Sabe, quando li sua crônica achei muito engraçada e de imediato lembrei-me de um grande homem que conseguia extrair do dia a dia lindíssimos poemas. Diferente de você, ele foi tomado por muitos anos de uma angústia profunda e o lado positivo disso, é que produziu por demais, falando de amor, de desencontros, de política, das vaidades humanas que muitas vezes o irritava etc. Foi num desses momentos que ele escreveu Walking around (andando por aí). Quando disse que após ler você, lembrei-me de Neruda é por que nesse poema ele fala em “unha”. Olha só:

    Walking Around

    ...Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,
    do meu cabelo e até da minha sombra.
    Acontece que me canso de ser homem.
    Todavia, seria delicioso
    assustar um notário com um lírio cortado
    ou matar uma freira com um soco na orelha.
    Seria belo
    ir pelas ruas com uma faca verde
    e aos gritos até morrer de frio.
    Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,
    com fúria e esquecimento,
    passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,
    e pátios onde há roupa pendurada num arame:
    cuecas, toalhas e camisas que choram
    lentas lágrimas sórdidas.

    Curiosidades:

    Pablo Neruda, na verdade, chamava-se Neftalí Ricardo Reyes. Poeta chileno (Parral 1904 - Santiago 1973). Esteve no Brasil em diversas oportunidades, e, numa delas, declamou poemas seus perante uma multidão concentrada no estádio do Pacaembu, São Paulo.

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  4. Fala Kledir!
    Sempre contei sobre a historia dos ovos do gruta e ninguem acreditava....muito bacana!!!

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