DIÁRIO DE BORDO – voltando pra casa


Depois de passar vários dias perdido em alto-mar, na companhia de um tocador de pandeiro enjoado – nos dois sentidos, pois estava de ressaca - fui recolhido pela Guarda Costeira dos EUA e encaminhado para a penitenciária, sob a alegação de ser imigrante ilegal, tentando entrar em Miami sem visto.
Esclarecido o equívoco, com a ajuda fundamental do cônsul brasileiro, fui reconhecido como um artista com vários serviços prestados à cultura popular brasileira, mas principalmente à cultura norte americana, por ter gravado uma versão de uma canção de Paul Simon. Que fui obrigado a cantar à capella, para o senhor juiz e uma platéia atenta de policiais.
Num ato de suprema caridade assumi a responsabilidade pelo rapaz do pandeiro, de quem não se tinha nenhuma referência. Falei que estava comigo, era meu parceiro de longa data, músico da minha banda, havia gravado pandeiro na música do Paul Simon... e o papo colou.
O clima tinha pesado pro lado dele, porque o engraçadinho, na hora do interrogatório, resolveu fazer piada com a língua de Shakespeare: “the Facebook is on the table”. O juiz queria enquadrá-lo na lei de desacato à autoridade, o que lá pra eles é pior do que xingar a mãe. Livrei a cara do fulano, por quem a essas alturas eu já estava até despertando uma certa simpatia. Uma coisa eu tenho que reconhecer: passando tudo o que passamos, em nenhum momento o sujeito perdeu o bom humor.
Acabei dando um abraço nele e pedi desculpas por meus excessos, que haviam chegado a agressões físicas. Meu novo amigo abriu um sorrisão: “não esquenta, merrmão. Como dizia o filósofo Kleber Bambam, faz parte”. Me deu um beijo na bochecha, que eu recebi como uma manifestação de carinho e agradecimento. Já os policiais americanos, ficaram se olhando de canto de olho e pelos comentários debochados - “ah, Brazil... Brazil...” - deu pra entender que insinuavam que nossa parceria não era apenas musical.
Não importa. O que interessa é que consegui tomar um banho, me alimentar e fui colocado neste vôo, de volta pro Rio de Janeiro. Agora eu tô tranqüilo.
Pedi papel e caneta pra comissária de bordo e anotei uma ideia: “nem bem delírio / nem bem diário / enfim, revelações de um visionário”. Meu parceiro espichou o olho e falou: “isso dá samba”. Pensei em voz alta: “se ficar bom, vou mandar pro Paul Simon, pra ver se ele grava”.
                                                                        (continua)

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