Esqueci de contar que, no meio do desespero, depois
de alguns dias à deriva, resolvi escrever um bilhete e jogar no mar, dentro de
uma garrafa de cerveja vazia. Na lancha havia uma caneta, providencial. O
problema era encontrar onde escrever. É numa hora dessas que a gente dá valor a
uma simples folha de papel, aliás, uma das grandes invenções da humanidade.
Meti a mão no bolso e encontrei uma conta
telefônica, que casualmente havia ficado na bermuda. Tentei lembrar se havia
sido paga, o que não fazia a menor diferença. O que importava é que era um
pedaço de papel com algum espaço em branco, entre ligações interurbanas e
várias chamadas para um celular na Paraíba. Só pode ser coisa da Déia, preciso
lembrar de descontar do salário dela.
Comecei a rascunhar mentalmente o texto que nos
salvaria daquela situação absurda, eu e meu companheiro tocador de pandeiro.
Quando fui passar a limpo o pedido de socorro, me dei conta de que a
possibilidade daquela garrafa ser encontrada era mínima. E, mesmo que viesse a
ser encontrada e fosse providenciado um resgate relâmpago, já me encontrariam
mais duro do que o Leonardo diCaprio no filme do Titanic.
Já que o destino conspirava contra, decidi fazer
poesia, que é a arte daqueles que já vivem em outro mundo. O que mais eu
poderia fazer? Um texto técnico, tentando informar coordenadas que eu não
conhecia? A posição das estrelas no céu? As únicas estrelas que consigo
identificar na imensidão noturna do universo são as Três Marias. E, mesmo assim,
sempre fico em dúvida - às vezes elas são quatro.
Enfim, já sem nenhuma perspectiva de ser lido e
muito menos salvo, rabisquei na conta telefônica: “Beleza cósmica / que
astrolábios!”. Enfiei esse delírio literário dentro da garrafa vazia e tampei
com um pedaço de isopor. Ato contínuo, em atitude solene, como se estivesse
realizando uma performance artística, joguei a “obra” ao mar, enquanto me
passava pela cabeça que Camões havia nadado em oceano aberto com uma mão só,
pois na outra levava intactos os originais de Os Lusíadas. Ou será lenda?
Duas semanas depois de encerrada essa aventura
inacreditável, de volta ao aconchego do lar, tentando me recuperar do trauma,
tocou o telefone:
- Olhe! Desculpe ligar a cobrar... É Raimunda, de
Maxaranguape, Rio Grande do Norte. Encontrei aqui uma garrafa com uma conta
telefônica...
Muito bom Kledir!
ResponderExcluirCuca
http://www.cuca.in
Oxi, morena espivitada essa!
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