Dizem que a poesia é a forma mais elevada
de literatura e a crônica a mais primária. Por isso, de maneira prudente, meus
primeiros passos na arte da palavra escrita têm sido através da crônica. Quando
escuto alguém dizer que as letras de minhas músicas são verdadeiros poemas, não
me iludo. É um exagero, coisa de fã.
A leitura dos grandes mestres sempre foi
pra mim uma fonte de inspiração e acaba influenciando o que escrevo. Alguns
poetas me arrebatam mais do que outros: Manuel Bandeira, Pablo Neruda e,
especialmente, Mario Quintana. Há pouco tempo, me dei conta de que “Vou ficar
até o fim do dia, decorando tua geografia” nada mais é do que uma tentativa de
imitar os versos de Quintana que li na adolescência: “Olho o mapa da cidade
como quem analisa a anatomia de um corpo”. Em geral, o processo criativo
acontece de forma inconsciente, sem origem clara, mas às vezes é possível
identificar vestígios da nascente, do olho-dágua. Outras vezes, de maneira
curiosa, as ideias estão no ar e surgem coincidentes em mais de um lugar ao
mesmo tempo.
Em 2008, publiquei no jornal Zero Hora um
texto sobre o uso de celular em avião e recebi uma mensagem do Moacyr Scliar:
“Meu caro Kledir: bota transmissão de pensamento nisso - eu tinha escrito uma
crônica exatamente sobre o tema dos celulares a bordo dos aviões (até a cabine
mencionei). Claro que escrevi outra... Será uma homenagem a teu espírito de
vanguarda! Abrs. Moacyr”.
Minha resposta: “Querido Mestre. Certa
vez questionaram Silas de Oliveira sobre uma canção que ele apresentava como
sendo de sua autoria. Silas respondeu: "música é que nem passarinho, tá
solta no ar, é de quem pegar primeiro". Estar em sintonia com teus
pensamentos tem pra mim um valor inestimável, é sinal de que estou no caminho
certo. Um abraço com carinho. Kledir”.
A vida me deu o privilégio de conviver um
pouco com Moacyr Scliar e em cada oportunidade sempre aprendi alguma coisa
importante. Sinto saudade das nossas conversas. Já com Mario Quintana, tive
apenas um encontro fugaz nos anos 70. Ele estava num café, me aproximei e pedi
a Elena, sua sobrinha, para ser apresentado. Quintana olhou pra mim sorrindo e
perguntou: “Porque tu queres me conhecer?”. Fiquei mudo, desconcertado. Eu não
sabia o que responder. Segurei sua mão suave e então percebi que eu só queria
aquilo mesmo, tocar no poeta. E, acredite se quiser, ele era de verdade.
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