Imortalidade

Em 2003, Moacyr Scliar foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. No dia da posse, chegou ao Rio de Janeiro e foi para o Hotel Glória, onde ficou hospedado. Na portaria recebeu uma ficha para preencher: nome, RG, endereço... Quando chegou no item “motivo da viagem”, parou e, com refinado bom humor, falou para o rapaz da recepção: “Eu vim buscar a imortalidade, mas essa opção não está prevista aqui na ficha de vocês”.
No meio dos preparativos para a posse, um detalhe me deixou impressionado e dá muito bem a dimensão de quem foi Moacyr Scliar. Ele não aceitou que fosse usado dinheiro público para pagar seu fardão, como é de costume. Além de um escritor excepcional, era um cara de princípios.
Tive o privilégio e a satisfação de ver Tipo Assim, meu primeiro livro de crônicas, prefaciado por ele. É uma apresentação extremamente generosa que me deixou tão emocionado que eu, que não sou de chorar, fui às lágrimas.
Scliar foi criado no Bonfim, o mesmo bairro que canto em Deu Pra Ti e onde morei durante todo o tempo em que vivi em Porto Alegre. No livro A Guerra do Bonfim, ele fala com carinho da Padaria Três Estrelas, na rua Fernandes Vieira. Essa padaria era do meu avô materno, Basilicio Alves, que ao deixar a capital vendeu-a para um casal que se tornou muito amigo do menino Scliar. Essa convivência marcou sua infância com histórias que depois viraram lembranças e ficaram guardadas, imortalizadas em alguma prateleira da memória. Provavelmente entre bolachas, rosquinhas e pão sovado.
Toda essa história de imortalidade me fez lembrar que quando jovem eu queria mudar o mundo. Quando percebi que era impossível fazer tudo, pensei em fazer muito. Com o tempo, me dei conta que só era possível fazer um pouco. Com a chegada da maturidade descobri que fazer um pouco já é alguma coisa e pode até ajudar a melhorar o mundo.
Nós, os artistas, quando vamos embora deixamos uma obra que permanece um pouco mais. É uma extensão dos nossos sonhos que vai ficando por aí, ajudando pelo menos a alegrar o dia-a-dia das pessoas. Não chega a ser uma imortalidade, mas é uma sensação boa de que nossa vida vai ser um pouco mais cumprida. Com “u”.
Já no caso do Moacyr Scliar, o título de imortal que recebeu é apenas uma confirmação daquilo que nós já sabíamos. Ele deixou uma obra que vai ficar para a eternidade.

8 comentários:

  1. "(...) mas é uma sensação boa de que nossa vida vai ser um pouco mais cumprida. Com “u”".
    E te desejo tbm com "o"!

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  2. Uma bela homenagem!
    Esta semana, li com meus alunos um texto dele. Ele, certamente, teve sua missão na vida, cumprida.

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  3. O prefácio do teu livro foi incrível, assim como todas as páginas dele. Não só as palavras de Scliar serão imortalizada nas tuas páginas, tu e tuas sábias crônicas também e no meu exemplar em particular a lindas dedicatória do homem que por anos tem metade de mim e que infelizmente foi-se e esqueceu de me devolver.

    Parabéns , sempre!

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  4. Olá Kledir!!!
    Ainda não acredito que Scliar partiu... por mais que saibamos que somos mortais é sempre um choque quando isso acontece... pelo menos temos sua obra como consolo, mas ficou um imenso vazio...
    Ah!!! Parabéns por sua música e seu talento, aliás um talento de família, a música da família Ramil orgulha todos os gaúchos.
    Abraços
    Bia

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  5. Muito legal o texto, tens o dom da palavra ... linda a homenagem!!!! Mais um orgulho gaúcho! :D
    Sclyar...com certeza o trabalho dele vai ficar pra sempre...IMORTAL!

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  6. Que maravilha meu querido e para sempre amigo. Linda homenagem. Abs.

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  7. A partida de Scliar não é só a partida de um escritor. É, também a de um médico. Médico que combatia a morte com a mesma dedicação com que escrevia seus textos narrando com fidelidade o cotidiano.

    Na infância, o menino ainda não sabia o seria: médico ou escritor. Tentou algumas vezes escrever umas linhas, mas não gostava do que escrevia. Não desistiu e seguiu em frente, observando cada detalhe da existência. O sofrimento de seus pais, as dificuldades financeiras, a vida dos outros e a eterna sucessão de mudanças marcaram a sua vida e o transformaram.

    Nos hospitais, lidando com doentes acometidos das mais variadas doenças, não entendia como crianças inocentes passavam por tantos sofrimentos sem que tivessem tido a oportunidade de praticar algum mal a alguém. Segurou em mãos aflitas, enxugou lágrimas e amenizou o sofrimento daqueles que possuíam doenças incuráveis. Observando o comportamento humano, característica essencial para o escritor, colocou no papel os dramas de cada pessoa. Nas manchetes de jornais, encontrava a inspiração para contar as ações das pessoas comuns. Ele de fato é imortal. Permanecerá eternamente através de suas obras, deu exemplo. As lembranças de tudo que fez e foi, permanecerão em nossos corações.

    Quanto a você Kledir, sabes bem o quanto amo tudo que faz e não só isso, amo o ser humano amável, gentil, atencioso que é. Acredito que o privilégio e a satisfação que sentiu ao ver seu livro por ele prefaciado, também foi sentido por Scliar ao fazê-lo.

    Grande abraço,

    Marcinha

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