Wall Street

Entusiasmado com o movimento Occupy Wall Street que começou em Nova York e se alastra pelo mundo, um amigo meu aproveitou a oportunidade e organizou uma manifestação dentro de sua própria casa. Ocupou a sala, montou uma barraca e espalhou cartazes reclamando do descontrole das contas domésticas. Principalmente o uso sem limite do cartão de crédito. É que, segundo ele, seu regime de casamento é aquilo que se pode chamar de workshop. Ele work e ela shop.
A mulher entendeu a coisa à sua maneira. Arregaçou as mangas e confeccionou uma faixa reclamando da falta de solidariedade nos fins de semanas, quando não tem empregada. “Ninguém lava os pratos, a cozinha vira um caos”. O filho pequeno subiu num banquinho e começou a gritar que “é impossível viver com uma mesada dessas”. A guria adolescente deu a entender que as amigas todas já têm iPad e ela não. O pai bufou: “tá, e aí?”. Foi até o espelho e desabafou: “tô falando com as paredes”.
A mulher voltou à carga. Lançou uma dissidência do movimento e batizou de Occupy Kitchen, com palavras de ordem afirmando que “a cozinha é o coração da casa”. Entre as reivindicações estava a participação de todos nas tarefas de recolher o lixo, dar comida pro cachorro e pendurar as toalhas. Um exército da faxina.
O guri sentou no tapete e ficou tocando violão. À sua frente, uma latinha velha de ervilha, algumas moedas de 50 centavos e um cartaz onde dizia: “ajude um pobre mendigo a comprar um PlayStation 3”.
A guria chamou as amigas. Pelo Facebook. E criou uma onda de protestos que se alastrou pelas redes sociais e virou trending top no Twitter. Algumas indignadas falavam em invadir o bunker do pai ditador e outras enviavam BBM e SMS em solidariedade, apesar de não saberem muito bem do que se tratava aquilo tudo.
O pai pediu a palavra e chamou a atenção para o detalhe de que estavam perdendo o foco. Emendou em um breve discurso lembrando que estavam ali para protestar contra a ganância, “a irmã gêmea da avareza, o primeiro dos 7 pecados capitais” e encerrou citando o filósofo inglês Tim Jackson: “estamos sendo persuadidos a gastar o que não temos, em coisas que não precisamos, para criar impressões que não duram, em pessoas que não nos importam”.
Fez-se um silêncio absoluto. A coisa toda, que tinha um certo ar de brincadeira, azedou. A filha quebrou o gelo: “taí, gostei da frase. Vou postar no Face”. O pai suspirou: “vamos ver se cai a ficha”.

Um comentário:

  1. Este me deixou sem folego e ainda estou rindo muito. Só posso completar dizendo que é isso que dá ser materialista demais. E viva a Primavera Árabe.

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