COELHO BOTA OVO?


Quando criança, uma das grandes dúvidas que eu tinha na época da Páscoa era: “coelho bota ovo?”. Tentavam me explicar, mas eu não conseguia entender, a história era muito complicada.
Começava com o sofrimento e a morte de Jesus. Aquilo me dava uma tristeza profunda. Justo quem ensinava “amai-vos uns aos outros”, havia sido maltratado e pregado numa cruz. Depois, vinha a ressurreição e Ele subia aos céus. Até aí, tudo bem, eu conseguia acompanhar a narrativa. O problema começava quando tentavam me convencer de que tudo isso estaria relacionado a um coelho sorridente que deixava ovos de chocolate. E quando eu perguntava “mas afinal, coelho bota ovo?”, ficavam enrolando com um papo sobre símbolo de fertilidade, esperança de vida nova... Ou seja, uma confusão pra cabeça de uma criança, especialmente uma com QI de dois dígitos.
O enigma do coelho com ovo persistia durante toda a Semana Santa, mas minha atenção de guri aos poucos era desviada para um assunto mais importante, saber quanto chocolate eu iria ganhar. Lá em casa era assim: a gente acordava no domingo de Páscoa, corria pra mesa de jantar e ela estava cheia de ninhos de palha, cada qual com o nome de um dos filhos. Que eram muitos. O interessante é que a letra do coelhinho era igual à da minha mãe.
A família da minha mulher tinha outro hábito. Deixavam cenouras espalhadas pela casa e iam dormir. Durante a noite, o pai fazia pegadas de coelho com Maizena e pela manhã, ela e a irmã, percorriam a trilha catando ovinhos e bombons.
Quando nasceram nossos filhos, minha mulher e eu chegamos a um acordo e adotamos um mix das duas tradições: concordei em deixar cenouras e fazer pegadas de Maizena pelo chão da casa, desde que essa trilha passasse pela mesa da sala, onde estariam os ninhos cheios de ovos de chocolate. Ah sim, e que alguém limpasse aquela lambuzeira de farinha.
Aí, as crianças foram crescendo e viraram adolescentes. Chegou um ano em que não fizemos mais nada. A guria tinha ido pra Ilha Grande acampar com os amigos. O guri tinha viajado pra Buzios com uma turma e me ligou dizendo que estava caçando caranguejos com uma lata. Antes de viajar, virou pra mim e perguntou: “Pai, coelho bota ovo?”. Respirei fundo, lembrei daquela história enrolada que me contavam e falei: “Bota, meu filho. Coelho bota ovo. É um mistério da natureza. Um bicho peludo, mamífero, que bota ovos de chocolate”. Ele caiu na risada e falou: “aêee... este ano, em vez de chocolate eu prefiro uma bermuda”.
Foi aí que eu comecei a desconfiar que ele não acreditava mais em coelhinho da Páscoa.

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