Quando nasceu minha filha Julia, eu estava
despreparado para ser pai. Despreparado no pior sentido em que um
músico-cantor-compositor pode estar: eu não conhecia canções de ninar.
Na falta de um repertório específico,
comecei a cantar mantras indianos para fazer a pequena dormir. Em especial, os
Cantos de Yogananda, que são pérolas preciosas. Fui improvisando com aquilo que
eu considerava ser o mais adequado para uma alma pura, recém-chegada a esse
mundo.
A verdade é que não funcionava. Muitas vezes
virei noites sacolejando aquela coisinha linda nos meus braços e nada. Ela lá,
com os olhinhos arregalados, a espera daquilo que amava e era o que
efetivamente a fazia adormecer: o seio materno.
Meu repertório, na época, não apresentou o
resultado esperado. Ela acalmava, mas não dormia. Por outro lado, acredito que
alguma coisa boa deve ter ficado no subconsciente de minha filha. Hoje, olho
pra ela já crescida, uma entusiasmada praticante de yoga e meditação, e fico
imaginado que talvez aqueles mantras sagrados tenham deixado algumas sementes
espalhadas.
É impressionante como, das formas mais
inusitadas, a gente vai marcando a vida dos filhos. Eu, por exemplo, sou um
sujeito friorento até hoje por culpa do “sapo-cururu”.
Voltando ao começo, às minhas tentativas de
botar a guria pra dormir. No embalo de muitas noites acordado com Julia no
colo, comecei a compor uma valsinha, aproveitando o ritmo em ¾ que minha mão
reproduzia naquele bumbum protegido por uma fralda descartável. Agora, mais
recentemente, quando a canção foi gravada no CD “Par ou Ímpar”, o som dessa percussão
insólita, mais afetiva do que efetiva, foi registrado com o nome de Bundolone.
É claro, Julia já está crescidinha e não usa mais fraldas, completou 25 anos.
Mesmo assim, fizemos em estúdio uma simulação do som das palmadinhas do papai
acompanhando a melodia e, por pouco, ela não pegou no sono. O que só confirma o
que eu já sabia, a música funciona bem para os seus objetivos, ou seja,
realmente faz dormir.
“Lindinha” surgiu assim,
espontânea. É uma canção de ninar carregada de carinho e de pureza. É a
manifestação de amor de um artista aprendendo a ser pai.
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